quarta-feira, 28 de julho de 2021

Lembrança das avós

 A Dª Zeza me criou desde sempre. A Dª Estela me recebia em sua casa com felicidade e um brilho de criança nos olhos. A Dª Zeza cuidava para que eu andasse sempre arrumado, e mal passavam 10 minutos que eu saía de casa, já estava todo sujo e amassado. A Dª Estela gostava de encostar minha cabeça em seu colo e ficava enrolando os cachos do meu cabelo (que puxaram aos dela) com os dedos. A Dª Zeza fazia feijão com arroz, e paçoca. A Dª Estela preparava arroz com frango, e salada de batata, cenoura e beterraba. A Dª Zeza gostava de tocar órgão (e depois deu ele para mim). A Dª Estela gostava de jogar baralho aos domingos. A Dª Zeza era a mãe de todos. A Dª Estela falava com voz de menina. As duas gostavam de contar muitas histórias de antigamente com um frescor nas palavras que até parecia que estávamos vivendo tudo aquilo com elas. As duas já partiram. E deixaram muitas histórias boas para contarmos por aí.

 

*Texto originalmente escrito em 26 de julho de 2013, nas boas lembranças que me apareceram naquele dia dos avós.


domingo, 30 de maio de 2021

Enquadramento da janela



 

Essa tem sido uma das principais imagens da minha rotina de trabalhos pandêmica. A janela do meu quarto/escritório dá vistas para um emaranhado de janelas e fios de energia. Seria apenas vidro, paredes, borracha e metal que veria ao desviar os olhos do computador ou dos livros. Mas o bom é que, ao longo do dia, vários passarinhos vão pousando entre os fios e as beiradas das janelas, dando cor ao enquadramento da minha paisagem e aquietando um pouco o olhar.

O perigo da roseira

 

Hoje pela manhã presenciei alguns trabalhadores da prefeitura realizando capinagem e podas em algumas árvores aqui do bairro. Na volta para casa, cruzei a Av. Luciano Carneiro, próximo ao restaurante Caravelle, e topei com mais alguns deles trabalhando no canteiro central. Na maioria das árvores estavam fazendo apenas a "manutenção" no tamanho dos galhos, e podando alguns arbustos. Um deles me chamou a atenção, pois estava "de com força" arrancando todos os galhos de uma roseira do canteiro. Aí puxei conversa:

"-Marrapá, o senhor tá arrancando a roseira toda... Por que homi?

"-Foi a mulher aí da escola que mandou arrancá todinha!

"E foi?!"

"Foi! Disse que tava atrapalhando a escola”.

Por coincidência (ou não) uma funcionária da escola ouviu a conversa e foi até o portão. Aproveitei a deixa para saber qual era a justificativa da escola. Perguntei por que eles haviam mandado o trabalhador cortar toda a roseira. Aí ela vem e diz que estava atrapalhando a travessia da rua. "Hã? Como assim?". "É porque uma criança ia sendo atropelada um dia desses". E a culpa é da planta?! Com um semáforo e uma faixa de pedestre a poucos (poucos mesmo) metros da escola, a travessia é perigosa por conta da planta. Com os pais que deixam as crianças atravessarem sozinhas uma avenida movimentada, a culpa é da planta. Com um carro que vem em alta velocidade, a culpa é da planta. Vai entender a noção de perigo das pessoas, né?

 

*Resgatei esse texto escrito originalmente no dia 30 de maio de 2014. Uma lembrança inusitada das andanças pelo meu antigo bairro Vila União.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Piscina sem bordas

Quando criança sempre imaginei como seria nadar em uma piscina sem bordas. Fiz aulas de natação em uma piscina muito pequena, de apenas 8 metros. Entre um impulso e outro rapidamente minhas mãos se encontravam com os azulejos azuis que marcavam o fim de mais uma volta. O engraçado é que essa piscina da minha infância volta e meia me aparece nos sonhos. Dos mais frequentes que me retornaram ao longo da vida, lá estou eu entre uma braçada e outra na pequena piscina. Quando voltei para Fortaleza ano passado me deparei com esse pedacinho de praia na fronteira entre Irecema e Náutico com várias pessoas nadando. Rapidamente me lembrei das imagens e sensações desses sonhos e da vontade infantil de nadar em uma piscina sem bordas. Uma piscina em que a gente não precisa ter pressa de chegar do outro lado. Porque do outro lado, entre uma braçada e outra, tem o sol se escondendo por detrás dos prédios. Num virar de cabeça para respirar, o encontro com casais de mãos dadas e famílias passeando no espigão. E quando acho que vou chegar ao fim, no fim do dia, um grupo de amigos está cantando bem alto na areia que o dia ainda vai nascer feliz. E eu não preciso mais tocar na borda para terminar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O dia em que Mãe Menininha encarou Chico Buarque olhos nos olhos

Não sou um grande ouvinte, e nem um grande conhecedor da obra de Chico Buarque. Tem algumas músicas que conheço e gosto. Entre elas talvez a mais tocada aos meus ouvidos seja “Olhos nos olhos”. Quando ouço, sempre coloco para repetir uma vez mais ao menos. Ontem fiz isso enquanto preparava o jantar. Hoje novamente, entre uma clicada e outra no notebook, resolvi procurar outras interpretações da música para ouvir. Deparei-me com um trecho do DVD “Maria Bethânia, musica é perfume”. Nele, Chico Buarque fala da ocasião em que apresentou a música para Bethânia, achando que ela não havia gostado muito de início, e posteriormente se surpreendeu quando ela chegou com a música já gravada. Bethânia conta, antes de uma apresentação, sobre dia em que cantou essa música pela primeira vez para Mãe Menininha Gantois (respeitada mãe de santo baiana). Ela fala que era uma música que Mãe Menininha gostava muito, e que na primeira vez que ouviu não acreditou que ela tivesse sido composta por um homem. Dizia Mãe Menininha: “O homem no lugar do coração tem um buraco. Como é que escreveu uma coisa dessas?!” Engraçado que mesmo quando escuto o Chico Buarque cantando a canção, o fato de ser a voz um homem ali me passa batido. Sempre é uma mulher. É Mãe Menininha, é bem certo que os homens têm um buraco no peito. Mas raras, bem raras vezes tem um que tira um pouco de mistério e encanto desse aparente vazio.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Para que tapar o sol com a peneira?!


Tarde da noite. Eu já estava desligando o computador para ir dormir. Enquanto dou um suspiro profundo, meu pai entra no quarto. Ele me pergunta:
-O que foi?!
-Êêê doideira! É a internet que só tem doideira!
-E por que tu olha?!
-Porque eu sou besta!
Ele prontamente emendou a minha fala com uma afirmação:
-Tu é igual aquela menina da novela quando viu um homem nu tomando banho.
Quando eu pergunto o porquê, ele faz um gesto tapando os olhos com a mão e os dedos entreabertos, já respondendo:
-É desse jeito!
Caímos os dois na gargalhada. Estendi minha mão para apertar a dele num gesto de concordância, ainda soluçando de rir.
-É isso mesmo pai!

Dessas sabedorias plenas dos pais que nos dão um tapa de realidade quando menos esperamos (e mais precisamos)...

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Preta, Pepinha





Quando ainda nem gostava de música, aprendi a gostar de "Preta Pretinha". Acho que é a minha memória musical mais antiga. Ela era uma faixa recorrente no toca-fitas do Chevette 1978 do meu pai durante a minha infância. Lá pelos meus 4-5 anos meu pai me apresentou a canção dizendo que era a música da nossa cadela, a Peposa (apelidada de Pepa). Quando o refrão tocava no carro ele substituía o "Preta, pretinha", por "Pepa, pepinha". E nos meus ouvidos de criança, era isso mesmo o que eu escutava! Passei os primeiros anos da minha infância achando que a música tinha sido feita para a Pepinha, tal qual meu pai havia me apresentado. A letra é do Galvão, mas o arranjo e a interpretação que a popularizaram foram do Moraes Moreira. Em 2012, tive a oportunidade de assistir o Moraes contando a canção em Recife (durante o Coquetel Molotov), num show onde tocou na íntegra o repertório do disco Acabou Chorare. Não tinha ingresso para o show, e consegui entrar no teatro da UFPE graças a uma pulseira vip compartilhada com uma amiga (que depois serviu para colocar mais umas 3 pessoas para dentro). Tinha conhecido o disco no ano anterior, ao assistir o documentário "Filhos de João", sobre a história dos Novos Baianos, no Festival MINO (em Olinda). No perambular com os amigos pelas ladeiras de Olinda, nos deparamos com a exibição do filme ao ar livre. Assistimos sentados numa calçada e amontoados uns nos outros. As minhas memórias da infância se conectaram com a experiência da vida adulta. A "Preta, pretinha", que descobri no Chevette 1978 do meu pai passou a ser presença constante no meu notebook, no som em casa, no som do carro, nos percursos das minhas viagens entre o sertão e o litoral (ainda que num pendrive). Ano passado consegui comprar o CD Acabou Chorare durante uma garimpada em uma viagem. Lá de trás para cá se tornou um dos meus discos favoritos. Hoje tive a triste notícia do falecimento do Moraes Moreira, aos 72 anos. Muita vida, muita música, muitas memórias! Mas tenho certeza que daqui para frente a "Preta, pretinha" ainda vai tocar muito aos meus ouvidos e nas minhas lembranças.