Hoje fazem 9 anos da partida da Dona Zeza. De um
período que ela pode descansar depois de muita luta. Esses dias estive me
lembrando muito dela. Nas pequenas coisas aqui de casa, dessa minha segunda
experiência de morar só. Quando saí de casa a primeira vez, para fazer o
mestrado, ela já havia partido. Mas sua lembrança sempre em acompanhou nos
pequenos afazeres domésticos (e em muitos outros). Toda vez que eu ia cozinhar
algo, me vinha a sua imagem dedicada e zelosa para com o alimento que preparava
todos os dias. Do cuidado com os ingredientes, com o preparo, no modo como
apresentava a comida, e do cuidado para com que nós (os netos) sempre nos
alimentássemos direto... Certa vez, em um período que morei em Olinda, tive
como vizinhos um casal e seu filho pequeno. Como passava muito tempo em casa
estudando, volta e meia ia até o portão conversar com a moça, e brincar um
pouco com o pequeno (o Joãozim, que dava o maior valor rodar na minha cadeira
de escritório). Numa dessas vezes, eu estava estendendo a roupa que acabara de
lavar, e ela me falou sobre um conflito que tivera com seu companheiro. Acabei
mencionando uma história minha sobre fim de relacionamento. E ela me falou:
"Ai valha, e tu tinha namorada?! Pois eu achei que tu fosse gay!". Eu
dei um sorriso para ela e perguntei o por que ela achava isso. Ela me
respondeu: " É porque tu é todo cuidadoso com a tua roupa, lava e estende
bem direitim!". Aí eu ri mais um pouco e falei: "Não menina, pois o
negócio é que eu fui criado pela minha avó!". Ela ficou meio sem jeito e
rimos os dois da presepada. Pouco tempo depois, já de volta a Fortaleza, em uma
outra situação de estendimento de roupas, estava eu no quintal de casa, quando
uma prima(Kalyana) me
olha pela janela e fala: "Vixe Saulo, vi você estendendo a roupa agora e
só lembrei de Tia Zeza! Você faz igualzinho a ela! Lembrei que uma vez que vim
para cá pequena e ela me ensinou como estender as camisas assim para não
amassar." Seria o cúmulo eu afirmar que só tenho lembranças da minha avó
relacionadas às atividades domésticas! Muito mais que isso. Talvez a lembrança
maior que possa ter dela se resume em uma única palavra: cuidado. Cuidado e
atenção com tudo o que fazia e com todos ao seu redor. De um simples rabisco em
um caderno milimetricamente desenhado com sua caligrafia esmerada, a um desenho
ou pintura em um tecido (um dos passatempos preferidos dela). Do timbre
delicado e ao mesmo tempo potente de sua voz entoando canções de sua juventude
(e algumas do Zezé de Camargo e Luciano, dupla que ela gostava muito) sem
desafinar. Sim! A Dª Zeza possuía o espírito de artista. De uma sensibilizada
muito particular que tentou ser sufocada pelo ímpeto machista da criação de seu
pai. Mas que conseguiu transcender essas restrições e dar alguns vôos
autodidatas em muitas pinceladas e acordes de seu órgão elétrico (que muito
orgulhosamente recebi de presente alguns anos antes de sua partida), A Dona
Zeza criou bem seus três filhos. E quando preciso foi, pode criar também mais
dois netos. Ela era rigorosa sim! De vez em quando uma chinela voava! De vez em
quando um bate boca e uma teimosia. Dona Zeza queria ver a casa sempre
arrumada, mas tinha um neto desorganizado. Ela primava sempre por andar bem alinhada,
perfumada (com um cheiro de alfazema e leite de aveia), e o neto adolescente só
queria saber de andar com calças rasgadas, de chinela de dedo, e os cabelos por
acolá. Ela gostava de músicas românticas, e volta e meia escorria uma lágrima
por seu rosto ao cantar "O último desejo". E todo o rock and roll que
eu escutava perdia força diante de uma canção como essa. São mesmo muitas
histórias e muitas lembranças da Dona Zeza que continuam por ali e por aqui,
desde a casa do Montese, do Vila União, nas 5 casas de Pernambuco, na casa de
Sousa, e de uma casa que eu sempre aprendi a levar comigo no coração que foi
edificado por ela!
Trilha sonora para o post:
8 anos atrás...