quarta-feira, 4 de junho de 2008

O Território da Arte

É um texto assim...meio antigo, sabe...?! Mas que talvez ainda tenha algo a dizer... Era mais ou menos assim...



“É música de preto, pobre e favelado ... mas quando toca ... ninguém consegue ficar parado!”
E foi o que aconteceu. A frase que iniciou esse texto foi proferida na segunda-feira, 29/11/2004, durante um show da cantora Fernanda Abreu, no famigerado festival Ceará Music. Ceará Music? Mas onde é que ela estava mesmo? Quem? A música... a música do Ceará. Mas não tem problema não. Olha o jeitinho dela dançar... Olha o jeitinho dela sambar... Olha o jeitinho dela suar....[1] Mas não foi só “ela” que dançou. Todos dançaram, ou melhor, quase todos. Este que vos fala entreteve-se mais com a reação das pessoas diante da música do quê com ela (a música) propriamente dita. Não que ela não fosse interessante aos meus ouvidos. Muito pelo contrário. Aquele funk-samba-rock foi a trilha sonora perfeita para minhas divagações. E os corpos balançaram. Corpos já cansados. A embriaguez que os tomava até um tempo atrás já não se fazia tão presente assim. O que os entorpecia e causava furor naquele momento era a música. E ela não penetrava apenas pelos ouvidos. Parecia invadir os corpos por toda a sua extensão. O suor. A brisa. O suor. O dia nascendo e a noite morrendo discretamente. A luz e a escuridão. O mar. Calor? Não, não havia. Apenas o suor. Olha o jeitinho dela dançar... Olha o jeitinho dela sambar... Olha o jeitinho dela suar.... Palavras...? Somente as minhas. E quanto à letra da música? Essa parecia não importar tanto assim. O que a boca pronunciava não passavam de ... gemidos... murmúrios... música... Palavras? O que elas tinham mesmo a dizer? Acho que alguma coisa do tipo: “-Hei, você aí parado, por quê não dança também?” Dançar? Não precisa. Olha o jeitinho dela dançar... Olha o jeitinho dela sambar... Olha o jeitinho dela suar.... E no fim?... Corpos cansados... Corpos suados... O prazer... O gozo. O dia. A ânsia por voltar para casa? Acho que não. A ânsia era por mais. Mais forças para continuar ali só mais alguns instantes. Por mais um pouco de prazer. O chão. O chão parecia muito convidativo naquela hora. Lugar onde os corpos se lançavam na esperança de conseguir um pouco de alívio. Mas não conseguiam. Passo. Passos. Passos. O mar quebrando nas pedras. A água escorrendo. Os casais escorrendo por entre os braços e abraços. As bocas não mais cantavam. Elas agora afagavam os rostos. E escorriam. Escorriam por outros rostos. Sem a voracidade que como outrora haviam se tocado. Acalmando. A alma. A calma. Calma. A saída. De novo o fim? Não. Ainda tinha gente querendo conferir o Ceará Music. A Favela queria conhecer o Ceará Music. Ela só queria provar um pouco daquilo tudo. E a Favela desceu. Mas o Ceará Music não queria conhecer a Favela. E aí foi um verdadeiro purgatório da beleza e do caos[2]. A Favela subiu. E mesmo assim ela resistiu. Como? Com pedras. As pedras desceram. E o Ceará Music recuou. E recuou. Para dentro do seu próprio mundo. À margem da Favela. Lá ele está bem seguro. Ao menos, assim o pensa. E a Favela? A Favela está em casa... Ela não deve se preocupar. E eles que acham que vigiam a Favela. Mas é Ela que os vigia. Afinal de contas, ela chegou ali primeiro. E não deve satisfações a ninguém. E o território da arte nessa história toda? Onde é que fica território da arte? O território da arte não é o Ceará Music. Não é a Fernanda Abreu. Não é a música. Não é a dança. Não é a Favela. Não são as pedras. E afinal, onde é que fica o território da arte? Bom, o território da arte é o próprio indivíduo. Pois sem ele não haveria Ceará Music. Não haveria Fernanda Abreu. Não haveria música. Não haveria dança. Não haveria Favela. Não haveriam pedras atiradas. Não haveria texto. Não haveria contexto. Não haveria Eu.



[1] Fazendo alusão a um trecho de uma das músicas da cantora, acho que Garota Carioca.

[2] Como no trecho de outra música de Fernanda Abreu.