sexta-feira, 5 de abril de 2013

Vão-se os anéis, fica o chocolate!



FUI ASSALTADO no dia 01 de abril, uma segunda feira, por volta das 20h10min bem próximo de minha residência. Não, essa não é uma piada do dia da mentira. Estava sentado em uma parada de ônibus quando um rapaz apontou-me uma pistola dando voz de assalto. Poucos segundos antes ele havia passado por mim a pé, e quando menos espero ele dá a volta e me aponta a arma. "Passa o celular!" Deu uma busca na minha calça para ver se tinha algo. Como viu que não tinha bolsos começou a puxar minha mochila (sempre ande com uma calça com bolsos para que isso não aconteça!). Não é a primeira vez que sou assaltado. Já desenvolvi até certo trato com ladrões. Sempre tento conversar com o "camarada" no intuito de que ele me deixe os documentos. Dessa vez não funcionou. O “camarada” estava afoito. E com uma pistola na mão. Não tem conversa.  "Solta senão eu atiro!" E lá se vai o "camarada" correndo, e entra em um Fiat Siena preto que o esperava na esquina.  Vai com minha mochila, dois celulares antigos (desses que ninguém mais quer, mas ele quis. Afinal de contas era o que ele queria quando disse: “Passa o celular!” Deve ter se arrependido ao abria a mochila), minha carteira com RG, Carteira de Habilitação, cartão do plano de saúde, passecard recém carregado, a quantia de R$ 70,00 em dinheiro, o carregador da bateria da minha máquina fotográfica, duas camisinhas (espero que ele use, pelo menos), duas canetas, uma lapiseira, um controle remoto (isso mesmo), uma garrafa pet seca, minha pasta com relatórios, planejamento mensal e frequência dos meus alunos de Tai Chi Chuan,  e um pequeno caderno onde faço minhas anotações  do trabalho e do dia à dia. Quando vi o "camarada" correndo com minhas coisas a primeira coisa que consegui pensar foi: "ainda bem que tirei da mochila o chocolate que ganhei da Dona Estela”. A Dona Estela é uma das alunas que fazem Tai Chi Chuan comigo no bairro Aerolândia. Uma senhora muito humilde  que tem por volta dos 70 anos. Ela é lavadeira de roupas, e trabalha inclusive na casa de algumas de suas colegas de Tai Chi Chuan. É uma das alunas mais assíduas de minha turma. Antes da páscoa ela havia dito que ia me dar um presente.  "Professor, depois eu trago um chocolate pro senhor!" (apesar de ter idade para ser neto da maioria de minhas alunas, muitas delas me chamam respeitosamente de "senhor"). Falei que não precisava, que não se preocupasse com isso. No já citado dia 01 de abril, pouco antes de iniciar minha aula pela manhã, ela chegou próximo a mim e disse: "professor, trouxe um chocolatezim pro senhor!" Ela presenteara a mim e a outra professora que trabalha comigo com uma barra de chocolate do tipo meio amargo (que por sinal é um dos que mais gosto). Fiquei muito tocado com o gesto singelo de sua parte. O dinheiro que recebe com as lavagens de roupa deve ser muito pouco, e contado para as despesas do mês, e ainda assim ela havia feito questão de nos presentear. Ao chegar em casa naquele dia pela manhã, após o término de meu primeiro expediente de trabalho, tirei meu presente (o chocolate) da mochila, e coloquei-o em cima de um armário em casa. Ao chegar em casa a noite, após o assalto, uma das primeiras coisas que vi ao entrar pela sala foi a barra de chocolate no mesmo lugar onde havia deixado. Pensei novamente:  "ainda bem que tirei da mochila o chocolate que ganhei da Dona Estela”. Repeti a frase para minha namorada, que estava em casa comigo, abri a embalagem e comemos o chocolate, que adoçou aquela noite tão tumultuada. Na manhã seguinte comentei com os alunos sobre o ocorrido na noite anterior. Foi com muita indignação que receberam a notícia, e ficaram preocupados inicialmente achando que havia sido assaltado em sua comunidade, que carrega uma fama de violenta. Não foi. A Dª Estela estava na aula àquela manhã. Ao me aproximar dela durante um dos exercícios, tocada com a situação ela perguntou se estava tudo bem e falou: “Ôôô professor, levaram seu chocolate?!”. Falei que havia sido justamente no chocolate que pensara logo após o assalto, e que por uma feliz coincidência, o seu presente foi o único item que tirara da mochila, antes de sair de casa novamente para trabalhar. Ao narrar minha preocupação com seu presente ela me presenteou novamente com um sorriso largo no rosto. E pensei denovo: "ainda bem que tirei da mochila o chocolate que ganhei da Dona Estela”. Acho que depois dessa posso até repensar aquele antigo ditado que diz: “Vão-se os anéis, ficam-se os dedos.”. No meu caso vai ser: “Vão-se os anéis, fica o chocolate!”.


*O nome da minha avó paterna também era Estela.A Dona Estela do Tai Chi Chuan lembra muito a vó Estela. Duas mulheres simples, de origem humilde, e muito atenciosas nos pequenos e nos grandes gestos.